O RISCO DA DISSOLUÇÃO DA ENGENHARIA
NACIONAL
OU
UM GENOMA PARA A ENGENHARIA
NACIONAL
A
privatização de empresas públicas nacionais nas áreas de energia,
telecomunicações, transportes e infraestrutura em geral trouxe,
certamente como conseqüências não programadas deliberadamente, a
dissolução de equipes técnicas de altíssima capacitação e experiência,
constituídas nestas empresas, ao longo de décadas, no âmbito da
implantação de obras e instalações da mais alta complexidade tecnológica,
assim como uma temerária
fragilização de toda uma
cadeia empresarial privada implicada na produção de estudos e projetos e
na implantação dos empreendimentos então demandados pelas estatais,
como também no fornecimento de equipamentos e componentes.
Essas
equipes técnicas das antigas estatais nacionais, com o entusiasmado e
estratégico apoio de instituições públicas de pesquisa tecnológica do
País, foram responsáveis por dominar, desenvolver e/ou induzir o
desenvolvimento de uma Engenharia Nacional aplicada às características
econômicas, sociais e fisiográficas próprias de nosso país e de suas
diferentes regiões, guindando-a,
reconhecidamente, ao nível da melhor Engenharia do primeiro mundo.
Sintonicamente,
as várias empresas privadas brasileiras de
consultoria e projetos em Engenharia e de implantação de
empreendimentos, que se formaram especialmente para o atendimento das
demandas públicas em grandes obras, instalações e gerenciamento
operacional, constituíram suas próprias equipes técnicas, respondendo
ao mesmo patamar de qualidade.
Hoje,
uma pequeníssima parte das antigas equipes técnicas das estatais foi
aproveitada pelos grupos privados internacionais, via de regra vencedores
das licitações de privatização.
Uma
outra parte se diluiu em tristes passamentos, aposentadorias com mudanças
de ocupação profissional e em serviços autônomos de consultoria.
Quanto
às empresas brasileiras privadas de consultoria e projetos, já
anteriormente abaladas pela contínua redução dos investimentos públicos,
e agora preteridas em favor de empresas de engenharia dos países de
origem dos grupos multinacionais vencedores das licitações de privatização,
muitas acabaram por se extinguir, outras desmobilizaram suas equipes
permanentes optando por apenas constituir grupos transitórios para
atendimento de escassos projetos específicos em campos técnicos
limitados.
O
mesmo fenômeno já atinge as grandes e médias empreiteiras nacionais de
obras e instalações, e acabará atingindo, brevemente, sem dúvida, os
fornecedores nacionais de componentes, gerados e/ou estimulados pelas
demandas de nossas antigas estatais.
Esse
processo de desnacionalização e dissolução da engenharia nacional é tão
mais grave quando, adicionalmente, consideramos que toda a fantástica memória
tecnológica acumulada após décadas de investimentos públicos em formação
de recursos humanos e produção de conhecimentos não foi
providencialmente e organizadamente sistematizada e documentada de
forma a não se perder e estar plenamente à disposição da sociedade
brasileira; transcendendo os pesados e reservados relatórios empresariais
e dispersos “papers” de congressos, para integrar definitivamente
nossos currículos escolares e, com capital importância, constituir-se em
suporte e referencial técnico ao exercício do Poder Regulador nas suas
relações com as concessionárias privadas de serviços públicos.
As
conseqüências negativas desse fenômeno são graves e podem ser
facilmente imaginadas, seja no âmbito social, econômico ou até no âmbito
da segurança nacional (perda de “intelligentsia”).
Sem
dúvida há já substância vital perdida irreparavelmente. Mas há muito
a se preservar e muito a fazer para estancar ou, ao mínimo, reduzir os
efeitos de tão danoso processo.
Destacaríamos
duas providências imediatas indispensáveis: 1) em não se desistindo de
futuras privatizações, ao menos tomar as providências licitatórias
necessárias à preservação viva da memória tecnológica e da cadeia
institucional pública/privada nacional de suporte; 2) uma mudança
radical na postura doutrinária das Agências de Regulação,
preocupando-se mais com a viablilização de espaços para a Engenharia
Nacional e menos em oferecer todas as regalias possíveis aos grupos
internacionais vencedores ou participantes dos processos de privatização.
Uma
outra providência, e de implementação mais desembaraçada, se destaca
como urgente, estratégica e condicional para qualquer outra medida que se
pretenda implementar, qual seja, aproveitando-se instituições públicas
e privadas participantes de todo esse processo e profissionais
autônomos remanescentes desta época, recuperar, sistematizar e
documentar o que de essencial há da memória tecnológica produzida
nestas últimas quatro décadas pelas equipes técnicas das antigas
estatais e das instituições públicas que as coadjuvaram, das empresas
brasileiras privadas de consultoria e projeto e das empreiteiras de obras e instalações
diversas.
Essa
providência tem as dimensões de um Projeto Estratégico Emergencial,
vital, sob todos os ângulos, para o presente e o futuro de nosso Estado e
de nosso País.
Poderia,
sem dúvida, ser considerado o “Genoma” da Engenharia Nacional, e,
mais uma vez, Agências Públicas de Fomento e instituições ligadas ao
setor empresarial nacional implicado, ao patrociná-lo e supervisioná-lo,
estariam prestando histórico serviço à sociedade
brasileira.
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